Poderes de Indulto e Graça do Presidente: ABSOLUTOS OU RELATIVOS?
Ação e Reação
AÇÃO E REAÇÃO
Poderes de Indulto e Graça do Presidente:
ABSOLUTOS OU RELATIVOS?
Por:
Pedro dos Reis Vieira Barreto
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ).
Pesquisador
do
Grupo de Pesquisa Laboratório Cenários Jurídicos (LACENJUR/FND/UFRJ).
No
Brasil, segundo a Constituição Federal, o Presidente da República possui a
prerrogativa de conceder indulto e graça, que representam formas de extinguir a
punição, ou seja, o instituto de Direito Penal denominado “punibilidade”. Essas
ferramentas caracterizam atos de misericórdia da presidência. Enquanto a graça é
destinada a situações individuais específicas, o indulto é aplicado em escala
mais ampla, abrangendo grupos de condenados conforme critérios
pré-estabelecidos. Contudo, existe um intenso debate na área
teórico-profissional-acadêmica sobre a efetividade desses instrumentos na
prática.
Uma
corrente doutrinária argumenta que tais poderes são absolutos, enquanto outra
defende que são relativos.
Uma tese que sustenta a absoluta autoridade dos poderes de indulto e graça do
presidente defende que ele detém plena discricionariedade para concedê-los, não
precisando apresentar uma justificativa específica e estando isento de qualquer
revisão judicial. De acordo com esse argumento, o ato de conceder esses
benefícios é um privilégio exclusivo do chefe do Executivo, respaldado pela
confiança que a Constituição deposita em seu discernimento presidencial.
Já a corrente dos poderes relativos, que defende a ideia de que os
poderes de indulto e graça são limitados, argumenta que, embora o presidente
tenha a prerrogativa de concedê-los, essa prerrogativa deve ser regulada por
certos limites e mecanismos de controle. Estes limites podem ser de natureza
normativa, moral, política ou jurídica, e há a perspectiva de revisão judicial
nos casos em que se verifique abuso de poder, desvio de finalidade ou afronta
aos princípios constitucionais.
Podem ser apontados os seguintes argumentos favoráveis à tese dos
poderes absolutos: a) o da “prerrogativa
constitucional”, segundo a qual, conforme estabelecido na Constituição, o
presidente detém a competência expressa de conceder indulto e graça, sem
restrições notáveis, o que evidencia a confiança na discricionariedade do líder
do Executivo; b) o da “separação de Poderes”, conforme a qual a interferência do
Judiciário nas decisões de indulto ou graça presidenciais pode ser interpretada
como uma afronta à divisão de competências entre os Poderes, já que cada esfera
do Estado possui suas funções delimitadas; c) o da “história e tradição”, pois,
ao longo da história, a concessão de indulto e graça sempre esteve sob a
exclusiva e abrangente prerrogativa do chefe do Executivo, sem ingerências
externas; d) o “objetivo-humanitário”, pelo qual se defende que a concessão de
indulto e graça tem como propósito principal a ação humanitária, possibilitando
ao presidente exercer o perdão em situações especiais, frequentemente para
corrigir injustiças ou em vista de circunstâncias excepcionais.
Por
outro lado, em defesa da prevenção de abusos, a proteção de mecanismos de
controle sobre o poder de indulto e graça, a fim de impedir sua utilização de
maneira arbitrária, favorecendo aliados políticos ou indivíduos próximos, o que
configuraria um abuso de poder, traz consigo apoiadores e, paralelamente, outros
argumentos.
Assim,
são elencados os seguintes argumentos em prol da corrente dos poderes relativos:
a) o dos “princípios constitucionais”, uma vez que os atos do presidente, como o
indulto e a graça, devem sempre respeitar os princípios constitucionais, como
moralidade, impessoalidade e interesse público. Isso justifica a possibilidade
de revisão judicial; b) o dos “precedentes judiciais”, pois há casos anteriores
em que o Judiciário interferiu em decisões de indulto e graça, mostrando a
importância do controle judicial em casos de distorção dos propósitos originais;
c) o da “divisão de Poderes”, pelo qual se sustenta que, para manter a harmonia
entre os Poderes, é fundamental que as ações do Executivo possam ser revistas
diante de suspeitas de abuso ou ilegalidade, assegurando um sistema de freios e
contrapesos; d) o da “defesa da doutrina dos poderes absolutos”, com base em uma
interpretação literal e histórica da Constituição, assim como em outra faceta do
próprio princípio da separação dos Poderes.
Pelos
argumentos acima e de acordo com o entendimento que aqui se desenha, a linha de
pensamento que defende a ideia de que os poderes de indulto e graça do
presidente são plenamente absolutos fundamenta sua posição, entre outros
argumentos, em uma interpretação mais literal e histórica da Constituição, bem
como no princípio da separação de Poderes, em defesa de uma atuação mais
independente do Poder Executivo, no tocante à questão.
Conclui-se, portanto, que a corrente que
argumenta pela absoluta autonomia dos poderes de indulto e graça do Presidente
da República encontra bases sólidas tanto na Constituição Federal quanto na
legislação infraconstitucional. A interpretação histórica e prevalente reforça a
ideia de que o Presidente detém a discricionariedade para conceder indultos, sem
necessidade de justificação adicional e sem possibilidade de revisão judicial,
desde que o ato respeite os limites formais estabelecidos. A intervenção do
Judiciário em tais situações pode ser considerada uma violação do princípio da
separação de Poderes, fundamental para o correto funcionamento do sistema
democrático brasileiro.
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Por:
Pedro Henrique Silva Nunes de Souza
Advogado. Graduado em Direito pelo Instituto Metodista Bennett. Pesquisador
do
Grupo de Pesquisa Laboratório Cenários Jurídicos (LACENJUR/FND/UFRJ).
Em vista da ideia
proposta, a pergunta inicial logo se impõe: será que o poder do Presidente da
República para concessão da graça ou indulto é relativo?
Assim, serão, antes de
tudo, expostos alguns posicionamentos no que concerne ao tema.
Exemplificativamente, aponta-se ementa da lavra do Ministro Alexandre de Moraes,
firmando o posicionamento relativo à concessão da graça ou indulto pelo
Presidente da República. Nesse sentido, Alexandre de Moraes explica que se trata
de um ato discricionário e privativo do Presidente da República, embora deva ser
encarado com cautela, vez que, pode ser analisado, pelo Judiciário. Nessa linha,
segue parte da decisão de lavra do referido Ministro:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO REFERENDO DA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DOS VÍCIOS DO
ART. 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRETENDIDOS EFEITOS INFRINGENTES.
IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. Não
merecem acolhida os Embargos de Declaração quando a decisão recorrida não padece
de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.
2. A
parte embargante, a pretexto de vícios no acórdão embargado, busca, inclusive,
reverter o julgamento de mérito da Ação Penal, o que é notadamente incabível,
especialmente ao se considerar que, em relação ao acórdão de mérito, não houve
interposição de qualquer recurso.
3. O
tema relativo à constitucionalidade do Decreto de Indulto presidencial (eDoc.
898) será analisado em sede própria (ADPFs 964, 965, 966 e 967, Rel. Min. ROSA
WEBER), pois, conforme definido por esta SUPREMA CORTE, no julgamento da ADI
5874, apesar de o indulto ser ato discricionário e privativo do Chefe do Poder
Executivo, a quem compete definir os requisitos e a extensão desse verdadeiro
ato de clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e
oportunidade, não constitui ato imune ao absoluto respeito à Constituição
Federal e é, excepcionalmente, passível de controle jurisdicional, pois o Poder
Judiciário tem o dever de analisar se as normas contidas no Decreto de Indulto,
no exercício do caráter discricionário do Presidente da República, estão
vinculadas ao império constitucional.
4. Enquanto não houver essa análise e a decretação da extinção de punibilidade
pelo Poder Judiciário, nos termos dos arts. 738 do Código de Processo Penal e
192 da Lei de Execuções Penais, a presente ação penal prosseguirá normalmente,
inclusive no tocante à observância das medidas cautelares impostas ao réu DANIEL
SILVEIRA e devidamente referendadas pelo Plenário desta SUPREMA CORTE.
5. Embargos de Declaração rejeitados.
Decisão
(ED-segundos) O Tribunal, por maioria, rejeitou os embargos de declaração, nos
termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Nunes Marques e André Mendonça.
Plenário, Sessão Virtual de 4.11.2022 a 11.11.2022.” (EmbDecl na petição 10373,
Tribunal Pleno, Relator Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Revisor Ministro NUNES
MARQUES, j. 14.11.2022, DJe 08.03.2023)
Na
mesma esteira, em decisão proferida no ano de 2002, o Ministro Sepúlveda
Pertence explica que não cabe à lei a criação de restrição ao indulto e de
comutação de penas, sendo necessário o crivo, dos órgãos fixados em lei, como
segue:
“Não pode, em tese, a lei ordinária restringir o poder constitucional do
Presidente da República de "conceder indulto e comutar penas, com audiência, se
necessário, dos órgãos instituídos em lei" (CF, art. 84, XII), opondo-lhe
vedações materiais não decorrentes da Constituição. Não obstante, é
constitucional o art. 2°, I, da Lei 8.072/1990, porque, nele, a menção ao
indulto é meramente explicativa da proibição de graça aos condenados por crimes
hediondos ditada pelo art. 5°, XLIII, da Constituição. Na Constituição, a graça
individual e o indulto coletivo - que ambos, tanto podem ser totais ou parciais,
substantivando, nessa última hipótese, a comutação de pena - são modalidades do
poder de graça do Presidente da República (art. 84, XII) - que, no entanto,
sofre a restrição do art. 5°, XLIII, para excluir a possibilidade de sua
concessão, quando se trata de condenação por crime hediondo. Proibida a
comutação de pena, na hipótese do crime hediondo, pela Constituição, é
irrelevante que a vedação tenha sido omitida no Decreto 3.226/1999 (HC 81.565,
Rel. Min SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 19.02.2002, 1ª T., DJ 22.03.2002).
Ilmar
Galvão, em outra anterior decisão, também expunha a relatividade do poder de
concessão de indulto:
“O indulto, em nosso regime, constitui faculdade atribuída ao Presidente da
República (art. 84, XII, da CF), que aprecia não apenas a conveniência e
oportunidade de sua concessão, mas ainda os seus requisitos. A fixação do
ressarcimento do dano como condição para o indulto não destoa da lógica de nosso
sistema legal, que estimula a composição dos prejuízos causados pelo delito,
mesmo antes do seu julgamento definitivo (v.g., arts. 16 e 312, §2°, do CP), sem
conferir-lhe, no entanto, caráter de obrigatoriedade, mas apenas de pressuposto
para o gozo de determinado benefício. O sequestro de bens não tem o condão de
tornar insolvente o réu para efeito de eximi-lo da satisfação do dano, erigida
como condição para o indulto. Se o beneficiário não cumpre todos os requisitos
do indulto, seu indeferimento não constitui constrangimento ilegal” (RHC 71.400,
Rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. 07.06.1994, 1ª T., DJ 30.09.1994).
Thiago
Marrara, conforme entendimento firmado na obra “Constituição comentada: art. 84”
(p. 771), entende pela flexibilidade da concessão do indulto, desde que não
caiba mais recurso de sentença condenatória transitada em julgado. Assim, expõe
que “é admissível a concessão de indulto
antes de a sentença condenatória transitar em julgado, desde que não caiba mais
recurso da acusação (STF, RT 662/372)”.
José
Miguel Garcia Medina, em citação a outro acordão do Supremo Tribunal Federal,
também traz a questão com cautela, afirmando a forma flexível da concessão do
indulto pelo Chefe do Poder Executivo:
“Considera-se que a graça é individual, e o indulto, coletivo. Quando graça ou
indulto são parciais (e não totais), afirma-se haver comutação da pena. Nesse
sentido, decidiu-se que, "na Constituição, a graça individual e o indulto
coletivo - que ambos, tanto podem ser totais ou parciais, substantivando, nessa
última hipótese, a comutação de pena – são modalidades do poder de graça do
presidente da República (art. 84, XII) - que, no entanto, sofre a restrição do
art. 5°, XLIII, para excluir a possibilidade de sua concessão, […]” (STF, HC
84.312, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.06.2004). Dispõe o art. 84, XII da
Constituição que compete privativamente ao Presidente da República "conceder
indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em
lei". O art. 5°, XLIII da Constituição, por sua vez, considera "inafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos". Evidentemente, essas duas disposições constitucionais não se
encontram em conflito, mas devem ser interpretadas harmonicamente (cf. STF, HC
90.364, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 31.10.2007; STF, HC 81.810, Rel. Min.
Cezar Peluso, j. 16.04,2009). A nosso ver, devem ser levadas em consideração
outras limitações constitucionais à concessão do indulto, oriundas da vedação à
proteção deficiente (Untermassverbot) de alguns bens jurídico-penais
consagrados pelo próprio texto constitucional. A jurisprudência tem se orientado
no sentido de que "a concessão de indulto aos condenados a penas privativas de
liberdade insere-se no exercício do poder discricionário do Presidente da
República, limitado à vedação prevista no inciso XLIII do art. 5° da Carta da
República" (STF, ADIn 2.795-MC, nota supra). No mesmo sentido, no julgamento da
ADI 5.874, ajuizada contra o Dec. 9.246/2017 (que dispôs sobre o "indulto
natalino")…” (JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA, Constituição Federal comentada: com
jurisprudência selecionada do STF e de outros Tribunais, 4ª ed. rev., atual. e
ampl., Thomson Reuters Brasil, São Paulo, 2019, p. 463)
No
mesmo rumo, assim, entender que o Poder Judiciário pode retificar ou inutilizar
os atos praticados pelo Poder Executivo, significaria evitar estar-se diante de
um ataque à justiça penal, pois “(...) a aplicação da sanção penal por um
juiz constitucional, mediante a rigorosa observância de diversas garantias
fundamentais, mostra-se, em regra, incompatível com a prerrogativa conferida ao
Chefe do Poder Executivo de extinguir sanções penais. Não por outro motivo, o
saudoso Hungria preleciona que ‘consentir ao Poder Executivo a retificação ou a
inutilização de decisões do Poder Judiciário, proferidas na sua esfera soberana,
é atacar a justiça penal nos seus próprios fundamentos’”. Com efeito, cumpre
destacar, finalmente, que:
“(...) em que pese a estranheza do instituto, não se pode ignorar sua previsão
constitucional. Por isso, mister dispensar ao indulto uma interpretação
constitucionalmente adequada, de modo a compatibilizá-lo com a ordem
constitucional e seus princípios. Esta tarefa (de tentativa de compatibilização)
passa, inevitavelmente, pela fixação dos limites dentro dos quais é legítima a
atuação presidencial. Classificar o ato de indulto, dessarte, mostra-se útil. Na
precisa lição de José Frederico Marques, ‘o indulto é providência de ordem
administrativa, deixada a relativo poder discricionário do Presidente da
República, para extinguir ou comutar penas’. Percebe-se, dessa feita, que o
Chefe do Poder Executivo está a exercer atividade administrativa quando concede
indulto. E em se tratando de atividade desta natureza, cabe à autoridade
competente tão-somente dar concretude ao comando geral e abstrato previamente
existente”.
Por todo o exposto e, optando-se pelo elenco, acima, de variados
entendimentos jurídicos sobre o assunto, considerando a presente pesquisa
doutrinária e jurisprudencial,
espera-se do Poder
Judiciário, quando provocado, uma solução cada vez mais contributiva e efetiva
aos demandantes. No caso do Presidente da República, embora o Art. 84 lhe
conceda os poderes relativos à graça, não se deve cogitar de seu absolutismo e
impossibilidade de sucumbência à primeira e mais basilar axiologia
constitucional, a qual não pode permitir a qualquer mandatário de cargo público
eletivo, poderes maiores do que a própria Constituição, integralmente concebida.
Todo servidor público, enquanto aquele que “serve ao público”, possui limites
naturais à sua atuação, os quais ultrapassam qualquer pretensão de literalidade
e isolamento normativo.