DA PRIVACIDADE à produção de provas: o caso da Polícia Legislativa e mais uma reprovação democrática e institucional nacional.
Reflexões AtuaisÉ de vetustos tempos que máximas ligadas ao direito à privacidade, próximas do direito entendido como privado, formaram e foram o embrião do direito moderno e contemporâneo. É também de antigos tempos que princípios como o de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio tornaram-se a origem de normas atuais e, sobretudo, direitos fundamentais. Pois bem. Neste cenário de associação e integração contínuas entre direitos privado e público exsurge controvertida problemática ligada à escuta ambiental e à maneira pela qual se poderia intervir em seu favor ou, principalmente, desfavor. Ora, se alguém se encontra em sua residência ou em seu domicílio, na sua concepção mais ampla, a qual pode, até mesmo, englobar seu local de trabalho, não se deve sequer vislumbrar a impossibilidade de uma varredura local, sob ordem de quem reside, mora ou trabalha em um lugar qualquer. O referido impedimento, de imediato, já representaria uma afronta a direitos privados e particulares cristalinos. Mas, para além disso, significaria um também atentado ao próprio direito público, em uma interseção natural de direitos, na exata medida em que uma pessoa, quem quer que seja, tem todo direito de não produzir (ou permitir legal e legitimamente produzir) provas contra si, no sentido mais genérico desta concepção. Portanto, se uma pessoa desconfia que sob sua mesa de trabalho, que sobre o gesso que rebaixa o teto de sua sala de jantar, enfim, que debaixo de sua cama existem aparelhos de escuta ambiental, nada deve impedir que atue em prol de uma defesa que pode remeter a um próprio direito natural em sua essência maior. O recente episódio que envolveu a Policia Legislativa, sobretudo ligada ao Senado Federal, pode ter um fator a mais: o uso de forças oficiais e ligadas ao exercício de funções púbicas para a varredura de locais não somente públicos – como salas de trabalho -, mas também privados – residências. Entretanto, não apenas a Constituição da República, mas a própria Regulamentação da Atividade da Polícia Legislativa, aponta para, em um primeiro momento, a possibilidade de se proceder a varreduras defensivas. Que, aliás, são rotinas não somente nas Casas Legislativas, mas também junto às mais variadas esferas de instituições e órgãos do Poder Público, como Ministério Público Federal e Regionais, Tribunais e outros âmbitos. As escutas, grampos ou, pelo que aqui se entende melhor e mais tecnicamente definido, interceptações telefônicas, encontram legislação federal, nacional e complementadora do Art. 5º, inciso XII, da Constituição de 1988, representada na Lei 9.296/96, a qual, embora contemporaneamente já necessite de ajustes e atualizações, traz, pelo menos, limites a serem respeitados. Quanto às escutas ambientais, percebe-se uma imprecisão legislativa perigosa. O que finda por proporcionar aberturas temerárias para o ordenamento jurídico. De qualquer maneira, se seguido um caminho, a partir do Art. 52, inciso XIII, da Constituição da República, passando-se pela Resolução nº 59 de 2002 do Senado Federal e pela Resolução nº 18 de 2003 da Câmara dos Deputados, ficam menos obscuras as atribuições da Polícia Legislativa. E, sendo ou não discutível sua atuação, fato é que a disputa institucional entre Poderes no Brasil enrobustece-se de descontrole, rixas, disputas e falta de diálogo, o que conduz a uma verdadeira problemática nas relações mais básicas entre órgãos, Poderes, enfim, instituições da República Federativa do Brasil. Abusos somente crescem e, com eles, a sensação, por um lado, de insensatez, despreparo e vinculação a uma suposta “opinião pública”, de ditas instituições de quem mais se deveria esperar um comportamento distinto; e, por outro lado, de incertezas, insegurança e contínuo desrespeito a direitos fundamentais, em um Estado, ao menos formalmente, intitulado Constitucional, isto é, regido por um Direito maior, estabelecido em uma Constituição. Presidentes dos Três Poderes, nenhum dos quais, no quadro institucional brasileiro atual, eleitos diretamente pelo povo (reforce-se, para a função presidencial direta que exercem), marcam suas reuniões, com as pompas típicas da nobreza colonizadora brasileira de 200 anos atrás. Festa para a indústria midiática. Jantares para a dita nobreza. Péssimo para a democracia, péssimo para suas instituições, péssimo para o Brasil.
B, L.