E TUDO SE REPETE: rebeliões e tragédias anunciadas?
Reflexões AtuaisE tudo se repete. Nos quatro cantos do Brasil e, não necessariamente em regiões de fronteira, prisões e presídios são locais comumente insalubres, verdadeiras masmorras medievais e palcos de rotineiras rebeliões. A falência do sistema prisional brasileiro é patente e manifesta. E há décadas se tem total ciência, percepção e noção deste fato, sem que, entretanto, nada, nenhuma política governamental eficaz e efetiva, ocorra. É certo que no Brasil há excesso de presos, devido, entre outras causas, a agendas políticas punitivistas e a um Estado com propensões policialescas. Da mesma maneira, do outro lado da balança, mas com lógica relação ao apenas exposto, investe-se mal e de forma insuficiente em educação, direito social tradicional e, não incorretamente, quase que unanimemente entendido como aquele que, se adequadamente garantido, poderia ser o "salvador da pátria". A partir disso, o cenário desenhado e, há tempos mantido no Brasil, é o de predominância de medidas consequenciais sobre causais. A polícia, as prisões, os presídios, as penitenciárias, enfim, tudo que gravita na órbita da punição, ataca as consequências da ausência de medidas causais eficazes, isto é, a principal delas, uma política educacional ampla, qualitativa e quantitativamente inclusiva, como prioridade nacional. E, para rechear esta perversa estrutura que se formou, incentivou e fomentou ao longo dos tempos, partes e grupos de uma sociedade, cansada de violência e insegurança, preferem desconsiderar a completa deterioração do sistema prisional, sob o manto de uma convicção democraticamente imatura e cruel, qual seja, a de que o preso é sempre "muito culpado" e, se a prisão é completamente insalubre, ainda melhor ou, para os menos radicais, "sem problemas"; pois, afinal de contas, se um cidadão está preso, deve sofrer. Para além desta consciência equivocada e tenebrosa, outros problemas aguçam a questão aqui explorada, tais como o da mentalidade cultural, com ares, até mesmo, ideológicos, de um Ministério Público e de um Poder Judiciário preponderantemente como partes integrantes do acima mencionado Estado de Polícia brasileiro. Pois, ao ora agirem com exagero em medidas acusatórias e com fins de encarceramento e, ao ora, pura e simplesmente, atrasarem ou não zelarem pela eficaz liberação de detentos, muitos dos quais ainda presos, mas com penas já cumpridas, fazem mover a roda de uma criminalização viciadamente alimentada. E, se não bastassem todas as problemáticas que se colocam, o momento e contexto de crise econômica, financeira, social e política, tanto a nível federal, quanto no âmbito de Estados e Municípios do Brasil, leva a um enfraquecimento da figura estatal e de suas instituições, o que faz com que maiores aberturas para desvirtuamentos variados aconteçam. Por exemplo, no Rio de Janeiro, uma verdadeira instabilidade institucional, sobretudo a partir de meados de 2016, levou ao retorno de facções criminosas em comunidades carentes, outrora – pelo menos parcialmente - pacificadas pela instauração de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP's) em favelas. Claro que as ditas UPP's sempre apresentaram seus problemas e vícios, mas o caminho se abria para uma, quiçá, contínua melhora da qualidade de vida, tanto nas comunidades precisadas de uma maior presença estatal, quanto na cidade e áreas urbanas contíguas. Contudo, crises e mais crises, conforme supra salientado, inverteram o rumo de um processo ainda jovem, mas com perspectivas de sucesso, senão totais, pelo menos, com pontos positivos. Assim, as mesmas facções criminosas outrora parcialmente enfraquecidas, ainda que apenas no Rio de Janeiro, são também as mesmas a não somente retomar seus postos no próprio Estado e cidade utilizados como exemplo, mas também a guerrear brutalmente em presídios de todo Brasil. Com efeito, voltando à questão prisional, problema social e não somente ligado à segurança pública, enquanto não houver uma completa e absoluta reforma, assim como maciços e permanentes investimentos para a reconstrução não somente de cadeias e presídios, mas de todo grandioso sistema que gira em torno dos encarceramentos no Brasil, verdadeiros desastres e tragédias, como as agora ocorridas em Manaus e Roraima, continuarão a acontecer. Não há dúvidas de que, em matéria da dicotomia segurança/violência, muitas são as medidas a serem tomadas, e para bem além do que já foi acima dito. Medidas, exemplifique-se, de cunho causal e consequencial, tais como a implantação de uma verdadeira política, que conduza a uma batalha, em zonas de fronteira e entrada no país, contra o tráfico ilícito de entorpecentes e de armas; o debate social profundo, que leve uma decisão sobre a legalização ou não do uso e comercialização das drogas; e, entre outras, uma verdadeira ação efetiva, por meio de atos estatais e institucionais ostensivos, eficientes e, invariavelmente, respeitosos ao devido processo legal, contra males já existentes, mais precisamente ligados à falta de segurança pública, em todo país e, com maior incidência, nos seus grandes centros urbanos. Nesse sentido, reforce-se, o rol de ações que necessita, imediatamente, escapar da esfera programática e invadir o mundo fático, é grande. Mas, se preciso for começar, subir um primeiro degrau, dar um primeiro passo, que se comece, então e, quem sabe, pela integral reformulação do sistema penitenciário e prisional do país, com construção de maior número, salubres, funcionais e eficientes prisões, presídios, cadeias, penitenciárias ou como quer que se queira chamar estes milenares locais de privação da liberdade de uma pessoa. Uma medida de ataque, imediatista, mas que não poderá também prescindir de pesados, paralelos ou subsequentes, investimentos em já supra mencionadas ações preventivas. Pois são intoleráveis, sob quaisquer prismas de análise, rebeliões em que milhares de vidas são frequentemente destruídas, entre vítimas diretas e indiretas. E quando outras milhares já foram comprometidas pelo próprio ingresso, de cada preso, em uma das cadeias brasileiras. Talvez, não haja nada mais escrachado (com o perdão da coloquialidade do vocábulo), mais vergonhoso e ultrajante, até mesmo, à imagem do Brasil, do que tranquilamente se conceber, aceitar e conviver com a máxima de que, sob encarceramento, os presos se aperfeiçoam na arte da bandidagem; assim como, depois de rebeliões, ouvir-se que os mortos não eram “santos” ou “flores que se cheirassem”. Se mantida essa toada, desastres e tragédias continuarão a acontecer e, sempre, com maior frequência. Aliás, para além disso, crescerão os desastres e tragédias ditos “anunciados”, o que torna mais abstrusa a conduta de políticos e governantes, os quais sabem, mas não agem. Veem, olham e enxergam, mas ignoram ou apenas tomam medidas paliativas. E, que se diga o mesmo com relação à inconcebível conduta de vários grupos sociais, que de tudo, ao menos, um pouco sabem, mas não reclamam. Onde estão as panelas?!? Pois já passou da hora de a frágil democracia brasileira mostrar sinais de um amadurecimento real e não fictício, embasado e não manipulado. Porque, caso contrário, tudo se repetirá. Podendo, sempre, piorar. B, L.