MENOS UM DIREITO FUNDAMENTAL. SÉCULOS E DÉCADAS PARA OS CONQUISTAR. MINUTOS, DIAS, SEMANAS E MESES PARA OS DIMINUIR. AGORA, O DIREITO DE GREVE. E A PROBLEMÁTICA INSTITUCIONAL SOMENTE CRESCE.

Reflexões Atuais

Assim estatui o Art. 9º da Constituição da República Federativa do Brasil: “Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. E assim resta estabelecido no Art. 37, inciso VII, da mesma Constituição, relativamente à Administração Pública brasileira: “VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”. Uma norma constitucional tão já discutida, objeto de tantos e tantos debates e considerações, de cunho mais ou menos técnico, desde a promulgação da Constituição de 1988. Sim, uma norma inicialmente, tradicional e classicamente, segundo o consagrado constitucionalista brasileiro, Professor José Afonso da Silva, entendida como de eficácia limitada (ou até contida), pois dependente de legislação infraconstitucional complementadora para a produção de efeitos da norma prevista no texto constitucional. Entretanto, o passar dos anos mostrou que o direito previsto no mais genérico Art. 9º deveria estender-se a funcionários e servidores públicos; que a previsão do inciso VII, do Art. 37, por si só antecipou o entendimento do legislador constituinte originário, de acordo com o qual não se deveria retirar um direito fundamental de suma importância de uma significativa parcela da classe trabalhadora brasileira, direta ou indiretamente vinculada ao Poder Público. O próprio Poder Judiciário foi invocado e se pronunciou por anos, no sentido de não retirar e eliminar tal direito, se exercido, sem abusos e excessos, por funcionários públicos. Limites foram estabelecidos, mas praticamente sem reduções que pudessem ser entendidas como atentatórias ao núcleo essencial dos direitos fundamentais, conforme melhores teorias alemãs e europeias sobre o tema. Entretanto, no dia 27 de outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 07 votos a favor, contra 04 contrários, o corte no pagamento de servidores públicos que entrarem em greve. Estabeleceu, a referida Corte, uma exceção: não cortar pagamentos se a causa ensejadora da greve tiver sido uma ilegalidade do Poder Público, tal como o não pagamento da remuneração mensal do servidor. Ora, o óbvio, não é verdade? Pois o que cortar a título de pagamento se este não está ocorrendo? Portanto, com esta medida, tenta o STF bloquear atos grevistas que tenham como causa e base quaisquer outras razões que não um atraso ou não pagamento de “salários”. Falta de reajuste, más ou péssimas condições de trabalho, entre outros tantos motivos, passam a não ser mais toleráveis para a prática de uma greve por servidor público, pois este, caso insista em suas pretensões, deverá ter sua remuneração mensal, base de seu sustento, cortada. Que fique claro: neste texto, de modo algum se está a incentivar ou desestimular greves, por qualquer que seja a categoria de funcionários públicos ou, até mesmo, privados. Apenas se está a dividir reflexão teórica acerca da recente caminhada do STF, rumo a uma eliminação e/ou diminuição excessiva de direitos fundamentais. Se a presunção de inocência, a inviolabilidade de domicílio, entre outras matérias de decisões, inclusive mais antigas na história desta Corte, sobretudo após a democratização do país, em 1988, mostram um desserviço de “guarda da Constituição”, bases institucionais brasileiras mais amplas e extensas vêm dando um amparo reprovável a tais atos. Pois, por exemplo, o que esperar de um Legislativo que não legisla e empurra decisões de caráter legiferante ao Poder que deveria apenas julgar, com base na Lei? Ou seja, para muito além de um problema institucional isolado e recortado, isto é, da própria cúpula do Poder Judiciário, está-se diante de um quadro de funcionamento e comportamento institucional que precisa de urgentes, variados e aprofundados estudos e pesquisas. Sem entendimentos adequados e cada vez mais divulgados, respeitada a pluralidade de opiniões e o debate, em seu mais extenso sentido retórico, não conseguirá o Brasil superar um verdadeiro estado que, para além de se desenhar como excepcional, apresenta-se, dia a dia, como de constante retrocesso. A fundamentalidade deve servir a todos mas, em tempos de preponderâncias majoritárias, para a defesa de desrespeitos de minorias. Mas, para isso, não pode a própria e mesma fundamentalidade ser atacada em suas bases, em seus núcleos celulares mais básicos.

B, L