VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E EX-ENCARCERADOS: igualdade ou discriminação sociais, institucionais e constitucionais?

Reflexões Atuais

A Constituição brasileira de 1988 estabelece, logo em seu Art. 1º, que a dignidade da pessoa humana, assim como os valores sociais do trabalho, são fundamentos da República Federativa do Brasil, que se constitui em Estado Democrático de Direito. Em seu Título VII, reservado à ordem econômica, fortalece tais fundamentos, sobretudo no Art. 170, caput e incisos, que assim estatuem: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; (…)”. Paralelamente a tais previsões, a mesma Constituição republicana finca alicerces em ideais e valores de justiça e igualdade, com realce, entre outros, para o Artigo 3º e os objetivos ali estampados ( “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”). E, por fim, tendo em vista o que aqui se pretende brevemente aduzir, o Art. 5º, em seu extenso rol de direitos e garantias individuais e coletivos, estabelece vários direitos fundamentais, um dos quais o que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” (Art. 5º, inciso LXVI, da Carta Constitucional de 1988). A menção apenas a estes dispositivos já é suficiente para se concluir que trabalho, justiça e igualdade devem alcançar todos, ainda que como objetivos e metas a serem atingidas por um Estado onde continua a viger uma enorme desigualdade social e econômica. E, outrossim, estes mesmos dispositivos, associados ao que na Constituição é relacionado à condição de condenado, mas em liberdade condicional, assim como à de um ex-preso, já cumpridor integral de sua pena, fazem com que se possa concluir que o legislador constituinte originário, criador da atual ordem constitucional, pretendeu evitar discriminações arbitrárias e promover a inclusão, ao invés de formas de exclusão social, fenômeno este ainda tão prejudicial à sociedade brasileira. Não são raros, nem mesmo somente recentes, os casos de crimes ou condenações de grande repercussão social, sobretudo em razão da divulgação em massa, por meio de veículos de comunicação variados, em que pessoas, após a saída do ambiente carcerário, continuam a sofrer intensa discriminação social. Entendem-se, logicamente, cargas emocionais ligadas a famílias e parentes, vítimas, muitas vezes, de crimes bárbaros. Mas, por outro lado, se, a partir de um âmbito de análise tecnicamente jurídico, o Estado brasileiro optou por ser norteado por uma Constituição, portadora de princípios, regras e calcada em valores variados, é preciso conscientizar, cada vez mais, a população, de que as normas constitucionais existem para serem aplicadas, cumpridas e seus valores, com o perdão de eventual aparência redundante, valorizados. É certo que, esta mesma população, amplamente considerada, ocupadora de espaços no meio econômico e social e, portanto, nas mais variadas instituições brasileiras, levam a atos institucionais também aqui reputados equivocados, principalmente quando partidos de Poderes, órgãos e departamentos de Estado. Decisões, assim, máxime oriundas do Poder Público, criadoras de obstáculos e barreiras para a consecução do que, por exemplo, acima se expôs por meio da transcrição de normas constitucionais, findam por aumentar o comprometimento da vigência e validade dos principais alicerces e bases constitucionais. Casos paradigmáticos continuam sendo a prova de que os mais variados grupos e setores sociais brasileiros precisam, urgentemente, amadurecer. Se urge uma reforma completa do sistema prisional brasileiro, acompanhada, de perto, por uma nova maneira social de pensar e agir no que tange aos direitos dos presos, também é imprescindível repensar a reinserção de ex-encarcerados na sociedade. Cidadãos que por anos cumpriram sua pena e, depois, ainda com capacidade laborativa, desejam se reinserir socialmente, sem manifestarem indícios de que retomarão atividades ilícitas e criminosas, devem ter maior abertura social para tal. É claro que a questão é complexa, envolve fatores culturais e influências múltiplas, inclusive históricas e, até mesmo, midiáticas, mas é preciso evoluir. E, se aqui se fez citação à oração “sem manifestarem indícios de que retomarão atividades ilícitas e criminosas”, foi apenas para fortificar um direcionamento exemplificativo. Pois os direitos a que se refere este breve escrito devem alcançar todos, indistintamente, devendo o meio social estar preparado para o recebimento de pessoas já cumpridoras de suas penas e, igualmente, pronto para a ressocialização de casos aqui livremente entendidos como “mais difíceis”, isto é, ligados a pessoas praticantes não de um crime isolado e de grande repercussão, mas, sim, a indivíduos que praticaram e, muitas vezes, permanecem na prática de atividades criminosas. O desafio é gigantesco, mas é estarrecedor, a título ilustrativo, saber que um atleta, antes do cometimento de uma atividade criminosa, era nacional e, talvez, mundialmente conhecido por ser profissional de uma entidade esportiva de grande impacto e conhecimento no país e, após a obtenção legal e constitucional de liberdade condicional, procura e consegue um emprego, a duras penas, em um time de futebol interiorano, com pouquíssima expressão nacional, e há manifesta reação de variados grupos sociais contra a reinserção do esportista em sua atividade laborativa. Casos como este são comuns na história brasileira, ligados a diversas profissões e, se não se conseguir distinguir direitos fundamentais e os aplicar da maneira prevista em uma Constituição, repita-se, norteadora de um Estado escolhida e decididamente constitucional, talvez já se tenha passado da hora de rever estas escolha e decisão. Pois, como já dito, a sociedade pode ser um reflexo do Poder Público, mas este, também, um reflexo do meios sociais. O que compromete o funcionamento institucional no que diz respeito à força normativa da Constituição, existente, desde suas primeiras e históricas criações, para a defesa de direitos de maiorias, entretanto, sobretudo para a defesa de minorias, para as quais pode nada restar, a não ser, um Estado Constitucional forte e garantidor de todos os direitos fundamentais, indistintamente e sem preconceitos de sexo, cor, idade, condição social e quaisquer outras formas de discriminação. B, L.