IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO são normas processuais civil e penal. E MORALIDADE E IMPESSOALIDADE, princípios a reger toda a Administração Pública.

Reflexões Atuais

Não é de hoje que no Brasil, em variados fóruns de discussão, infelizmente mais específicos do que de conhecimento mais coletivizado, questionam-se atos judiciais e administrativos diversos. E, quando o questionamento recai sobre atos praticados sob a égide de interesses, direta ou indireta, mediata ou imediatamente, enfim, em menor ou em maior grau, pessoais – expressão a ser inicialmente aqui interpretada em seu sentido mais amplo - do tomador, aguçam-se as problemáticas, condenações e reprovações. Se, até mesmo, no âmbito privado, atos com interesses pessoais não são bem vistos quando produzem injustiças, desprezos, desconsiderações, entre outras desigualações entendidas como moralmente indevidas, quando o cenário é público, em um Estado republicano, o problema cresce em proporções gigantescas. Se for somado ao até dito o fervor contemporâneo nacional e internacional, capitaneado por crises políticas, sociais e econômicas, assim como pela velocidade e menor controle sobre a difusão de opiniões e participação social, o que ora se começa a suscitar adquire potencial ainda mais amplificado. Entre milhares de casos apenas no Brasil, 02 (dois) recentes podem apenas exemplificar o que aqui se coloca. São distintos, mas, como se pretende amarrar ao final deste breve texto, também semelhantes. Resumidamente, o primeiro diz respeito à relatoria de ações e seus respectivos pedidos para que o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigue o presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Federal Rodrigo Maia, a decidir sobre a abertura do processo de impeachment do Presidente da República, Michel Temer, ter recaído e se mantido na figura do Ministro Alexandre de Moraes, não somente um magistrado indicado pelo próprio Presidente da República, mas também um ex-conselheiro político e Ministro da Justiça do próprio Governo do referido Chefe do Poder Executivo nacional; o segundo, também amplamente divulgado por veículos de comunicação, refere-se às decisões em habeas corpus proferidas pelo Ministro do também Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, determinando a liberdade de até então preso supostamente considerado pessoa de seu conhecimento mais íntimo. Nestes dois casos escolhidos, repita-se, entre milhares que recheiam a história brasileira de indagações e, muitas vezes, repúdios coletivos a determinadas condutas de agentes e administradores públicos, em sentido amplo, o clamor social, de variados grupos da sociedade brasileira, foi intenso. E, ressalte-se, intenso porque, ainda mais no segundo caso, que envolvia preso em processo de alguma forma vinculado à chamada Operação Lava Jato, refletida também no Estado do Rio de Janeiro, não somente normas jurídicas específicas e de alto grau de tecnicidade poderiam estar sendo atacadas e desrespeitadas, mas também porque princípios que norteiam toda a Administração Pública brasileira, tais como o da moralidade e impessoalidade, conforme já anteriormente citado, estariam igualmente sendo colocados de lado, ainda mais em momento histórico-político de caos social no que tange a reprovações de atos de cunho antiético, imoral, pessoal etc. Apenas para se fortificar o que se mencionou, no foro judicial, tanto o Código de Processo Penal de 1941, quanto o antigo Código de Processo Civil de 1973 e o atual de 2015, mencionam as figuras do impedimento e da suspeição. Melhor detalhados, na mera opinião de quem aqui escreve, nos Códigos de Processo Civil brasileiros (anterior e atual), sem que nada retire a força destes institutos no âmbito processual penal – onde, aliás, decisões custam a liberdade de uma pessoa! -, o primeiro “é matéria de ordem pública, que pode ser alegada por qualquer das partes, a qualquer momento, não estando sujeita à preclusão” [PIZZOL, Patricia Miranda. Dos impedimentos e da suspeição – arts. 144 a 148. In: ALVIM, Angélica Arruda, ALVIM, Eduardo Arruda, ASSIS, Araken de, LEITE, George Salomão (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015: de acordo com a Lei n. 13.256/2016. São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 223]. Leva à nulidade absoluta e é entendido como relacionado a casos de manifesta necessidade de substituição do julgador. O segundo instituto, nos termos do Art. 145 do Código de Processo Civil brasileiro vigente, embora traga em torno de si mais conceitos jurídicos indeterminados, também merece especial atenção, pois pode dar ensejo, igualmente, à substituição do julgador, apesar de precisar ser invocado pelas partes, caso o julgador não se declare suspeito, sob pena de se operar a preclusão e, neste caso, não ocorrer qualquer troca do magistrado que julgará a causa. A título meramente ilustrativo, eis o teor do inciso I, do Art. 145, do Código de Processo Civil brasileiro (Lei 13.105/2015): “Art. 145. Há suspeição do juiz: I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; (...)”. E, repita-se, nada obstante serem os casos de impedimento comumente considerados mais contundentes para o afastamento de quem vai decidir em uma causa judicial, “a suspeição pode ser suscitada pela parte e também reconhecida, de ofício, pelo juiz. No último caso, pode o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões” (PIZZOL, Patricia Miranda. Obra citada, p. 228). Quem sabe, em reflexão que aqui, de forma livre, se estimula, entre tantas outras que poderiam também ser levantadas, não devessem impedimento e suspeição terem tratamento mais próximo no tocante à preclusão? Mais precisamente, não seria mais adequado que, em ambos os casos, não se operasse a preclusão em caso de sua não invocação pelo julgador ou pelas partes? Pois, muitas vezes, não seria possível ocorrer receios, medos e dúvidas, pelo interessado em suscitar suspeição e, dessa forma, ir de encontro a determinada atuação judicial e jurisdicional? De todo modo, independentemente de quaisquer elucubrações e interpretações, os referidos institutos, da maneira como existem, já servem para coibir e evitar julgamentos parciais e tendenciosos, violando, entre outros, o próprio princípio da imparcialidade do juiz e do Poder Judiciário. Reforce-se, por opção de quem ora escreve, mencionou-se a previsão processual civil, mas, de acordo com o previamente afirmado, também o Código de Processo Penal, a partir de seu Art. 95, cuida dos mesmos institutos ora tratados. Por fim, entretanto, em que pese a tecnicidade processual acima introduzida, se entendido o julgador um administrador público em sentido amplo, sobre ele também recaem os deveres inerentes à Administração Pública, norteados pelos princípios capitais previstos no Art. 37, caput, da Constituição da República, entre os quais os já salientados da moralidade e impessoalidade. Portanto, em tempos contemporâneos e de profundas indagações e, sobretudo, negações a atos que contrariem a ética, a moral, a lisura e a probidade na tomada de decisões em geral – e aqui, logicamente, não se limitando a colocação ao âmbito apenas judicial, estendendo-se, por outro lado, para as esferas executiva e legislativa, assim como, até mesmo, para o âmbito privado -, os institutos da suspeição e do impedimento devem ser inseridos em um círculo maior de debate e reflexão, assim como de influência, teorização e decisão, dentro do qual também estarão localizados princípios como os acima expostos, entre outras normas protetoras da igualdade de condições, da não distinção e da não discriminação em seus vieses mais extensos e amplos. Se escolher e tomar decisões são atos que acompanham a própria história do Ser Humano e das civilizações, em um Estado que se intitula democrático e de Direito, em pleno final da segunda década do século XXI, escolhas e decisões não somente devem estar em conformidade (comply to) com as normas jurídicas, mas também com valores morais historicamente enraizados, sob pena de serem, respectivamente, não somente jurídica, mas também moral e socialmente condenados, repudiados e reprovados. B, L.