DIA INTERNACIONAL DA MULHER: também nacional, de todos e todas e na busca da roda virtuosa

Reflexões Atuais

Não falarei de machismo. Nem de não machismo. Nem de feminismo. Falarei, em poucas palavras e em breves linhas, de igualdade; de diferenças; de devido processo legal e de alguns outros direitos. E pensando exatamente em direitos, em seu sentido objetivo e subjetivo, veio à tona lembrança a uma antiga codificação, feita na época de Kamu-Rabi ou Hamurabi (2067 a 2025 a.C.), rei da dinastia amorrita, reunificador da Mesopotâmia e fundador do Primeiro Império Babilônico. Sob seu governo, instaurou-se um Estado despótico, com forte centralização jurídica, administrativa e religiosa. Nasceu, nesse mesmo Estado, um dos mais antigos documentos jurídicos conhecidos, o Código de Hamurabi que, em seu Art. 129, assim estabelecia: “Art. 129. Se a esposa de um homem foi surpreendida dormindo com outro homem, eles os amarrarão e os jogarão na água. Se o esposo perdoa sua esposa, o rei também perdoará o seu servo”. E, entre tantos e tantos artigos, assim estatuía o Art. 133: “Art. 133. Se um homem afastou-se secretamente e em sua casa há o que comer, sua esposa guardará sua casa e cuidará de si mesma. Ela não entrará na casa de outro homem. Se essa mulher não cuidou de si mesma e entrou na casa de outro homem, comprovarão isso e a lançarão na água” (traduções livres). Com um salto de milhares de anos e um deslocamento espacial necessário, eis o teor do início do então e, até o ano de 2002, vigente Art. 78, do antigo Código Civil brasileiro, que sempre tratou do instituto da prescrição: “Art. 78. Prescreve: § 1º. Em dez dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o matrimônio contraído com mulher já deflorada”. Do Código de Hamurabi até as codificações civis da Idade Moderna, nas quais se inspirou o legislador civil do início do século XX para elaborar o Código Civil que vigeu por quase um século no Brasil, não é necessário dizer que muito o mundo mudou social, econômica e, entre inúmeras e vastas áreas, juridicamente. Entretanto, perceba-se que, mesmo o § 1º do então Art. 78 do Código de 1916 ter caído muito antes em desuso, sua manutenção naquele tão importante documento, como o Código Civil, ao menos simbolicamente denotava uma diferenciação arbitrária. Pois diferenciar é necessário, ocorre todos os dias, horas e minutos, mas desde que não peque pela arbitrariedade e pela reprovação da conduta, por ser odiosa e desnecessária. E aí sim, nestes casos, estar-se-á falando em um desrespeito ao princípio da igualdade, o qual não veda nem proíbe diferenciações, mas condena as intoleráveis sob o manto dos direitos fundamentais, conquista também moderna, mas com marcos históricos cronologicamente bem variados quando explorados países, culturas e sociedades distintas. Aliás, ainda que possa parecer paradoxal, o princípio da igualdade permite distinções de forma bastante imanente à sua natureza, de modo a, tantas vezes, fazer com que haja respeito a ele próprio, um dos mais importantes e verdadeiros princípios, cláusulas e pilares que um Estado deve ter e proclamar, mesmo diante das referidas diferenciações. Em 1934, a Constituição que no Brasil assumiu o lugar da de 1891, pela primeira vez na história brasileira abriu o caminho constitucional para o voto feminino, uma vez que, até então, somente pessoas do sexo masculino podiam escolher ditar os rumos políticos do país. Em 1988, após um longo período de ditadura e de arroxo dos direitos políticos de todos os cidadãos brasileiros, a Constituição foi generosa ao reprovar todos os tipos de discriminação, com várias previsões, algumas das quais repetitivas, de repulsa à desigualação em razão de sexo e gênero (Art. 3º, inciso IV; Art. 5º, caput e inciso I etc.). De 1988 para cá, paralelamente, o mundo se deparou com inúmeras revoluções, sobretudo tecnológicas, as quais levaram a novos conceitos ligados a relações sociais. É certo que, mesmo diante da citada reconstituição de paradigmas, muitos países e muitas nações ainda reservam culturas que promovem a figura masculina em comparação com a feminina. E outros tantos Estados-Nacionais, a maioria dos quais com regimes democráticos, continuam a ver, presenciar e conviver, mesmo com mudanças compartimentalizadas, ora em âmbitos jurídicos e sociais, ora laborais e culturais, entre vários, a favor do respeito cada vez maior à igualdade sexual e de gênero, com discriminações destas naturezas. Em países ocidentais desenvolvidos e, também, no próprio Brasil, por exemplo, é certo que são registrados avanços e evoluções quando o assunto diz respeito à inclusão social e ao respeito às mais variadas opções sexuais, à igualdade de gênero e às novas e contemporâneas formas de organização familiar. Entretanto, avanços que trazem à tona movimentos e maior acesso à informação reveladora, por exemplo, de números que mostram um ainda enorme disparate entre homens e mulheres em matéria de acesso a cargos e funções de trabalho, a salários e remunerações recebidas, a tratamentos dispensados em ambientes variados, enfim, a direitos que deveriam ser tendencialmente uniformizados e, em realidade, prolongam-se como não sendo igualmente oferecidos, disponibilizados, garantidos e tutelados para todos e para todas. Concomitantemente, crises sociais, políticas e econômicas, findam por levar a consequências imprevisíveis, dentro de uma ótica de desordem, caos e de impossibilidade de mapeamento e previsibilidade de todos os cenários futurísticos possíveis, fato que alcança povo, instituições, população, poderes público e privado e a própria democracia, quando presente em um Estado e em uma nação. O enfraquecimento detonado por crises como as citadas pode levar, ilustrativamente, a perdas jurídicas consideráveis. Mais uma vez, veja-se o caso brasileiro. Um cenário central de crises econômica e política, com graves reflexos jurídicos, mostrou a toda uma nação o quão se pode retroagir e retroceder em matéria de proteção da fundamentalidade de direitos constitucionalmente assim classificados. E, ressalte-se, mostrou, mas não convenceu uma nação setorizada e dividida política, social e economicamente. Pois alguns setores com natural maior acesso à informação jurídica aprofundada pôde, talvez, entender e compreender determinado retrocesso, ao passo que já uma outra camada social, a contratio sensu, pôde apenas enxergar avanços, inclusive da mesma categoria jurídica. Não que dialética, argumentação e múltiplas possibilidades não existam, sobretudo em ciências sociais aplicadas. Na verdade, não somente existem, mas também são realidade de que não se pode nem se deve afastar. Entretanto, o próprio Direito enquanto ciência é capaz de, em alguns casos, trazer limites, delimitações e mesmo precisões, contra ou além das quais não se pode agir ou aventurar, sob pena de desrespeito a uma norma fundamental, oriunda do próprio povo, enquanto criador maior da Lei Máxima nacional, a Constituição. O devido processo legal, tão desrespeitado e elencado como direito constitucional fundamental, em sua nuança substantiva encontra na igualdade seu principal alicerce, com questões de gênero e sexo tendo já sido muito bem exploradas para a garantia do princípio da igualdade enquanto um robusto pilar e uma grande e respeitável cláusula. E que nos Estados Unidos encontrou já há muitas décadas forte amparo. O mesmo direito fundamental, cujo descumprimento já fez levar boa parte de grupos sociais brasileiros, compostos por homens e mulheres, com suas várias opções sexuais, a comemorações efusivas. Portanto, se o Código de Hamurabi e seus sucessores podem mostrar as raízes de discriminações contemporâneas e a serem ainda vivenciadas por anos e anos, que uma roda evolutiva virtuosa e ligada à garantia do que talvez de melhor tenha o Direto se instruído ao longo de sua tão antiga existência, seja sempre buscada, mesmo com todos os percalços, obstáculos e dificuldades. E este citado melhor é a garantia de Constituições protetivas e garantidoras dos direitos fundamentais, principalmente os declarados e reunificados a partir dos principais documentos nacionais e internacionais pós-Segunda Grande Guerra Mundial. No dia Internacional da Mulher, que ela e direitos à igualdade, à diferença e à inclusão, entre tantos, sejam lembrados, para que, ao mesmo tempo, se possa social e juridicamente evoluir com mais respeito e harmonia, e menos ódio e intolerância. Parabéns, mulheres do mundo e da minha vida. Breves Referências: CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2012.; CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1983.; FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris. Teoria Del diritto e della democrazia. V. I, II e III. Roma-Bari: Editori Laterza, 2007.; GÓMEZ, José María. Política e democracia em tempos de globalização. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1997.; SUNSTEIN, Cass R. Why Groups Go To Extremes. Washington, DC: American Enterprise Institute, 2008.; VERMEULE, Adrian. The Constitution of Risk. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. B, L.